Foto: sxc.hu

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Para que tanta correção... há de se dizer e pronto, oras.

Num ato de sinceridade extrema, a moda da loucura dionisíaca de Nietzsche, bato meus cotovelos nas teclas do piano e declaro que partiu da realidade dos meus versos e se tornou alçada a categoria de beleza platônica, a que nunca deixou de ser platônica... (num contexto platônico... a ressoar como pastelônica história recursivo-tautológica.)


Novamente, ressabiada, a old idea me percorre a espinha, até atingir meus olhos, até o momento em que ela, ali, se mutava em desculpas.
É como se nunca houvesse havido as tais das New Ideas... Cada fim desse é como o ressoar dos trompetes ao fim da sinfonia, avisando a massa imberbe que é hora de aplaudir.
A poesia atravessava meus olhos como num filme de morte, a beira de túneis com luz no fundo... mas, tolos, não há luz alguma...
A vida é o próprio túnel escuro.

Há ainda a vontade, como o pilantra do Tchaikovsky resolveu uma vez, de não dar o gostinho de gritar "bravo" depois de pronunciar a palavra "escuro"... pois então, por que haveria de dar esse gosto? Além do que, há de se cuidar sobre o que dirão por aí: olha, aquela obra foi... óbvia? Tan-tan aqui, tun-tch-tan lá (a maneira dos pseudo-ouvintes... nem sabem o nome do que lhes tocam)...

Pois sim: após a torrente de sinceridade, que foi acompanhada por uma cascata de palavras, e dedos trêmulos... o furor do melindre tomava meus olhos... e corroía tudo... e pingava fora... e atropelava as palavras...

Me perdi até das palavras...
ah..
estou a ponto de...
Me verter...
Como um precipício dentro de mim mesmo...
Infinitamente...
Como, naquele mito...

De Sísifo empurrando a pedra..
Ele empurrava ele até o alto...

E via ela cair...
E de novo, lá embaixo...
Empurrava de novo...
E via ela cair...
E sempre...
Há quem diga que ele via ela cair até com prazer...
Diabo de existencialistas...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sorriso

Sempre sorria.

Outra vez, quando me olhou, sorriu.
Perguntei: que foi?
Disse: nada! - e sorriu

Eis uma poesia hiper-hermética aos olhos, mas totalmente ritmada com o momento, entoada numa despretensão heptassilábica, sobre a beleza das coisas aparentemente sem motivo e inalcançável aos insensíveis (mas alçando altos vôos através dos trompetes mahlerianos de um hino ao triunfo sobre as vicissitudes):

quatro letras e dois belos sorrisos!

Heidegger

A angústia "é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda."


texto retirado de http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/leonardoheidegger.htm

sábado, 11 de dezembro de 2010

Utilidades

Para que serviriam as palavras senão para nos tornar melhores e mais felizes?
Para que serviria meu peito se não coubessem todas as estrofes que seus olhos delineiam nas minhas noites mal dormidas?

Para que serviria a vida, se ela fosse fadada a um passeio arenoso sem teus passos a encher de vida cada grão que eu pisasse?

Para nada.

Enfim, teria utilidade o sol por-se, meus olhos te procurarem, minha ânsia me matar por não te ver, se você, em realidade, fosse somente você mesma?

Jamais.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Fúria desmedida

Ao deparar-se com a morte sempre a espreita sua fúria intensificou-se: massacrava o tempo até que ele se adaptasse ao seu modo de ser. E as pessoas ao seu redor eram também levadas na torrente sempre constante da sua impaciência onde mal conseguiam respirar.

Sentia-se só. Sentia que sua diferença era demais.
Às vezes, nada valia a pena.
No murmúrio do vento à janela, as imagens vinham todas.
E, por isso, inventava histórias sobre a resistência disfarçada de essência...
E usava isso para modificar-se... e modificado, tudo ainda era igual.
Modificado, ainda eram somente as suas palavras e o murmúrio do vento as suas verdades básicas.
Modificado, ainda a alegria deveria sempre ser lembrada.
Modificado, a tristeza ainda eram os chinelos à beira da escada.

O tempo é apenas o campo onde ele massacra o tempo.
Carrasco.

domingo, 28 de novembro de 2010

Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma…
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar extático da aurora.

Vinícius de Moraes

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Bússola

Nem ele mesmo creu.


Mas foi lá, e acompanhou-a por apenas dez minutos, até sua casa, mesmo tendo viajado duas horas somente para isso, desnorteadamente:
- Vc é doidooooo! - exclamou ela.

Um coração selvagem bateu mais forte.

domingo, 7 de novembro de 2010

Microtextura

Há uma parte do mundo que está escrita de forma oculta a certos olhos...

a sensibilidade aos supostos pequenos movimentos desvela a sutil camada que abriga muito do complexo emaranhado de angústias, alegrias, incertezas e tudo aquilo que molda o ser humano, sendo que o próprio desvelamento já era metadesvelamento...

De um ouvido surdo, pelo constante contato com a reificação pragmática, não ouvia-se o passar por cima das vontades, de esquecer do homem e só lembrar das estruturas...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

No caminho do chicote, andam os que nascem para morrer...

Não aceitaria ajuda que lhe largasse sozinho. 

Era um pássaro: tinha asas boas, já era crescido. Não deveria empurrá-lo, por que caíria uma vez só. 

Andava. As chances, havia; acostumado mal: mãe te ajuda, era assim, de todo.
Minhoca, na boca. Água, da chuva ou, de novo, da maneira comum dele.
Divertia-se: como e se mandavam. Tua mãe, tua lei.

Morreu cedo: mais tarde que sua liberdade: envenenada pela mãe.
Nunca voou, mandaram muito.


Poucas palavras, muitos significados.
Explicar demais é matar poesia.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Leitura construtiva

"Então, o que aconteceu a um certo Zatesky, da forma descrita por Lurija, aconteceu comigo: tendo perdido parte do cérebro durante a guerra, e com essa parte do cérebro toda a memória e a capacidade de falar, Zatesky, no entanto, era capaz de escrever: assim, sua mão escrevia automaticamente todas as informações que era incapaz de pensar e, passo a passo, reconstruía sua identidade ao ler o que escrevia."

Umberto Eco, em "Interpretação e Superinterpretação", pg. 103

sábado, 23 de outubro de 2010

A-firmação da incompletude

Não era desejado com furor, estando longe de ser um grande galã.
Não era admirado, como grandes gênios.
Não era visto como um ator, de grande plasticidade social.
Não era considerado funcionário do mês, nem pelos clientes e nem pelo seu chefe.
Não era destemido, para que lhe reconhecessem a coragem.

Nunca projetou sua sombra com grandes realizações sobre outras pessoas e nunca foi essencial, a não ser a si mesmo.

Mas ainda assim, estava vivo, e não sendo nada do que foi dito, ainda assim, por saber disso, aceitava, enquanto soubesse que, realmente, aquilo tudo não importava para ser tudo o que era agora e o que queria ser. Não que não pudesse (não se sabe se poderia, a não ser a princípio), mas via que sentir-se incompleto por aquilo tudo é que lhe daria incompletude real.

Aliás, foi na afirmação da negação é que se firmou o modo de afirmar-se.

domingo, 17 de outubro de 2010

Psicanálises: I - Possibilidades

À criança, disse o pai:
- Não faça isso, menino!
E foi lá a criança fazer outras coisas, que não fossem aquela.

Se não se sabe escolher, fica-se perdido.
Mas se uma alternativa não é possível, o resto é, e são muitas.

Um balanceamento entre as possibilidades e as impossibilidades sempre é necessário.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Auto-didatismo

Estar à deriva na vida, sem se deter em frente aos detalhes das coisas (como estar à frente da Notre Dame, soslaiar e depois continuar a seguir imensos roteiros, num estúpido consumismo), nos faz estar à deriva na vida.

Para aprender, é necessário nos determos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Reencontros

Os seus olhos mareavam.
Era a segunda vez que fazia isso, depois de seus olhos correrem incessantes, ansiosos, aquelas letras rápidas, brilhantes e negras, anunciando o retorno dela... disse ele que não havia chorado muitas vezes na vida...
mas, ela, ela sempre conseguia, mesmo que não que quisesse (e nunca o quis, por que lhe importava era fazer brotar sorrisos)...

mas os olhos mareavam
o coração se abria
o sorriso expandia
a taquicardia florescia sobre teus dedos, ansiando dizer algo...

Um dia, deixou-a ir pelo rio, por que se ressentiu de algo que não houve. E, nas manhãs tristes em que a solidão, incompetentemente, caminhava ao seu lado ou almoçava com ele, montava sempre um álbum mental, com recortes de realidade... o álcool gel, as flores da faculdade, um encontro inesperado na fila do restaurante universitário, uma mensagem, uma ligação...

...mas agora, o peso no peito se extinguiu.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anistia

" ...mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada." - Mateus 12:31

"O que é imperdoável?", ressoava como eco frente ao erro último teu. Enviava a carta esperando que os pequenos e belos olhos seguissem as flores que permearam seus últimos sorrisos.

"Há algo imperdoável?", retomava, enquanto a carta, ao cair, soava com um tom seco, reafirmando que a resposta não viria tão cedo e nem só com aquele ato de pretensa humildade, que faltou no que antecedeu a falha.

"O ódio e a intolerância violenta, a repressão, a ditadura... os homens mortos... quem lhes dará o perdão que os generais devem?", afirmava, enquanto lia a juventude fotografada em mártires, emolduradas em vontades de liberdade de ser; emolduradas no idealismo que acreditavam.

...mas, a raiva, o ódio ou a suposta justiça que haveria se não perdoássemos, realmente existiria, só porque não cederíamos o perdão? A não ser que se acredite que a maldade realmente domina as intenções de quem a praticou, ao invés de considerar-se que todos, sem exceção são frutos do entrelaçamento da mentalidade dominante de época com sua própria experiência de vida, não fará bater o coração dos que se foram, mas somente dos que ficaram numa taquicardia raivosa...

Querer a justiça na forma de não-anistia só faz surgir, no fluxo das águas, pequenos redemoinhos, que logo morrem, como todos dentro do próprio rio...

...e alimenta o ciclo, de ódio.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Remendo

As passadas cartas, banhadas de saudade e de muito arrependimento, ainda flutuam dentro da alma do inexperiente marinheiro dos sentimentos.

Doem ainda, mas agora elas soam um pouco mais opacas: ganharam aquele jeito baço das coisas que atritam muito com a rispidez e insensibilidade do tempo... que, ao lado de novas vontades, de novas veredas misteriosas, exalam um quê de coisa estranha, de coisa até desconhecida...

Não que um dia vá morrer: cada pedaço é mais que célula viva.

Mas...
passa.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mais do que o necessário

O sapato que está aqui a minha frente, não é o mesmo sapato que está agora, debaixo da minha cama.

À parte de considerações físicas, esses sapatos nunca serão iguais. É quase certo que se considerará que apelos à sua utilidade provavelmente servirão como conclusões primárias acerca do que é um sapato, apesar de, mesmo assim, estarem essas idéias embebidas do forte odor de construções mentais; que o odor é forte decorre desse jeito meio cambaleante de raciocinar.

E se essas afirmações beirando à absurdez (devido, talvez, a desnecessidade disso, dado que saber se há um sapato platônico ou não, nada nos acresce), fossem estendidas à formação dos sujeitos, do universo e idéias mais entranhadas nas nossas mentes, com construção "real" quase um pouco mais que impossível?

Dado que os homens não são sapatos, e, aliás, são mais complexos que estes, por que haveria de existir uma representação abstrata, pré-concebida das construções sociais, que caracterizaria-se como formador de todo o ser humano?

A necessidade, realmente, não cabe...
...me parece.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mães

uma certeza: que todo rio desagua na inevitável queda.

À parte de se crer nisso ou não, primeiro se cairá.
No colo da Grande Agiota (que cobra um juro muito alto), lições importantes podem ser tomadas, dessa outra mãe que nunca se sai dos braços e que, ao final do rio, volta-se, cansado, para dormir uma vez só...


Por que, enquanto se corre, ou quando se aventura no rio inevitável, vê-se os mais fracos sendo levados (por que é mais fácil ou por que não lhe há pedras no meio do caminho), inconscientemente, para a obscura queda ao final... e estes, que sucumbem, se constituem talvez num magnífico quadro de visão ampla do rio, como um mapa de onde haverão pedras (que, quanto mais irremovíveis, mais ajudam a manter-se no rio!) e onde a correnteza é muito forte ou se há outros para se unir e ir juntos contra o fluxo temporal. 


Os rostos agônicos que passam por nós involuntariamente, cansados, dizem o quão fortes deve-se ser... 
o rio é invencível... mas a força também é infindável na medida da vontade.


E... antes de querer-se não pagar a dívida (por que não existe essa possibilidade), deve-se aproveitar o melhor possível o empréstimo dado por essas duas mães.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Iconoclastia

Numa estranha melodia, juntavam-se: 


pretensa humildade filosófica, através da negação da detenção do conhecimento e até mesmo do conhecimento da realidade e a nada humilde pretensão sobre sua capacidade cognitiva e sobre o valor dos seus conceitos e opiniões.


Curiosamente, não parecia servir para mais do que fazer a taxonomia espiritual, que lhe punha valores de pretensa elevação... Como ironia recursiva, qualquer tentativa do famigerado ser de arranjar uma maneira de se desculpar depois de excomungar da sua religião qualquer ser que ele considerasse inferior, tornava-se inócua.


...e no final das contas, todo mundo veste o mesmo traje duro, não importando qual camisa ou saia nos vistamos, se cremos que saíremos dançando do traje ou que borbulharemos dentro dele.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Go!

Os vermelhos deslocavam-se no mais profundo breu dos corações azuis. Estes não tinham nem idéia do que estava acontecendo e foram surpreendidos com um ataque em cheio.

Se age-se como um vermelho, fica clara a famosa frase:
"Veni, vidi, vici"

A pior coisa é a estratégia em aberto.

domingo, 11 de julho de 2010

Se a vida é uma folha, o amor é uma pluma

Ofegante, tu correste, criança (pois é assim como se vêem os atos imberbes) por que tinhas medo que o fim da correnteza chegasse, que depois se concretizasse o maior dos pesos dos seres viventes, que o teu segundo coração sangrasse nas mãos erradas, que teu segundo coração achasse a falta de cores cinzeza de espírito, que... a poesia se confirmasse seca e fria...

Vieste transpirando e, sem querer (por que ninguém quer isso!), sopraste a pluma! Com tanto cuidado que carregaste e a pluma, que tu decoravas... voou!

E agora, vestes a fronte baixa, e se te ilumina, é da luz fraca da esperança já opaca, por tanto tempo intermitente a funcionar!...

Acorda-te!

Pois você não é mais o infante tal qual se imagina!

Acorda dessa letargia e considera que ainda não lhe chegou o maior dos pesos! Se agora dói seu peito, esteja feliz, por que as mais altas torres da felicidade erigem-se triunfantes sobre a chaga passada!


segunda-feira, 5 de julho de 2010

No Natal

Ela observava que a lâmina talvez estivesse meio gasta, até meio enferrujada... passou pela tua cabeça que, se o ato não se consumasse de maneira correta, ela ficaria ferida e também doente. Olhava lá fora as luzes piscando, parecendo até que elas estivessem zombando; ela enxergava até uma mensagem, lhe dizendo:

Hoje tu, logo logo passarás
E ninguém, ninguém mesmo, nem ligarás!

E pensava: todo amor, onde estás? Nos casais felizes, que vão de mãos dadas às compras, e imaginam que aquilo tudo nunca vai acabar: que seja infinito enquanto dure? Pois, Andréa, que ama José, que ama Maria, que ama Gunther, que ama Paul, que ama Hilde, no final das contas, se matam de amores, literalmente, ao bailar da fada verde?

Após as considerações do pré-ato, ela voltava a si, imaginando se alguém pararia para te olhar, lacrimejando o finzinho de luz que lhe sobrava, enquanto ainda palpitava... e concluía que, à parte de todo ato de comiseração ensinado pelos padres e pais e sei lá o que fosse, a vida continuaria bela, como também foi ensinado junto com as considerações sobre comiseração, culpa etc. E, ela imaginava como a encontrariam: triste, num quadro quase negro, com uma tantoo em mãos, quase que ainda tremulando, como se esse tipo de ato nunca se consumasse, dado à absurdez de presenciar um rosto meio deformado, mas jovem, pálido como a lua testemunha da cena final.

Trespassou impiedosa a velha poesia em metal todo o ventre: situação enigmática como um ponto final, seguiu mantendo a serenidade, como se a dor física acalmasse toda a dor espiritual que lhe dominava.

A noite caía como sempre.

sábado, 3 de julho de 2010

O barquinho

Era um barco pequeno.

Atravessava mares asiáticos e também, às vezes, alguns rios de águas mornas e leitos decorados com pequenas flores, como que parecendo pintadas após longos anos de trabalho árduo de algum artesão. Apesar disso, este barco vivia por si; nem lhe importavam os mares e os rios, em realidade, mesmo que sua finalidade objetiva fosse, simplesmente, de percorrer estes mesmos mares e rios...

Talvez, atracar à beira de um cais escuro e frio, sendo recolorido pela mescla da luz da lua e d'uma lamparina saudosa para ser retratado por algum pintor ainda lhe trouxesse algum brilho, mas ainda assim, o barco era por si só...

E nem que fosse inventada alguma teleologia para barcos: a não ser que assumissemos que sua finalidade era ser, no máximo que o hermetismo e a abstração permitissem, o protagonista não passaria de um amontoado de tábuas, metais e vidros.

É claro que, há de se convir, se não há portos almejados, basicamente se dirá que não portos para ir, mas apenas a necessidade de navegar.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A semente voou (haverá vento que me sopre para ela?)...

Na sacada da janela, podia-se observar as crianças rolando no chão e gritando, como se quisessem perfurar o mistério do futuro que lhes era reservado... em realidade, é claro que não era isso. 

O que se ouvia era o ressonar da tristeza emanada do corpo de um jovem cansado de tanta realidade... ou talvez, o cansaço de não entender, de a todo momento tentar ter em suas mãos a semente de um amor, um grão pequeno e frágil, difícil de ver, de sentir o cheiro... tão minúsculo que a existência deste se colocava a prova em cada momento que se tentava senti-lo. Que ele cresceria e se espalharia pelo corpo, pelas mãos, pelos olhos e atravessaria o sorriso depois de grande, isso era verdade... mas enquanto crescia, era sempre pequeno, pequeno demais para que alguma força fosse suficiente para lhe pegarmos na mão e não quebrarmos...

Apesar de que, às vezes, enquanto ele cresce, há de se tomar cuidado com o menor vento... não se deve correr com ela em mãos!... a sua leveza inicial facilmente transladaria qualquer tipo de enraizamento... por que cada amor tem seu tempo para se entranhar na terra...

E, depois que ela voa, não há muito mais o que fazer... a não ser procurar outra semente.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Legado

Com o seu falecimento hoje às 2 da manhã,

decretou-se o tempo inexistente.
decretou-se, no fundo da minha alma, que, apesar das diferenças, passou como aquele que, por algum momento, apoiou-se à beira da correnteza inevitável e invencível, e pode vislumbrar o rio de outra maneira, e que, por muita sorte, me chamou enquanto à mesma beira para mirar o rio.

Brilhou e ofuscou minha visão. Visão nascida míope, fisicamente por ascendentes, inevitavelmente por existir.
Ofuscou e me fez relembrar que a miopia descendida é uma banalidade genética e corrige-se de modo igualmente banal. Fez-me relembrar que a miopia da existência, não se corrige, mas se faz da mesma maneira quando não conseguimos corrigir a superficialidade física: estreitamos os olhos, olhamos para um ponto, fixamos bem nele, paramos detidamente, tentando ultrapassar a dificuldade de ver usando da imaginação e do raciocínio... ou então, chegamos cada vez mais perto dele, e, agindo como uma criança, olhamos por muito tempo, cheiramos, viramos, jogamos e o que mais for necessário para o objeto se curvar à petulância infantil da qual nos dotamos.

Apesar das diferenças, ele veio e ficou. Acima das futilidades de lembrar de sua aparência, status social ou qualquer outra tolice deste gênero, ficou o seu jeito de fugir da miopia, de apoiar-se à margem da correnteza e dizer:

"Apesar de tudo, acho que estamos um pouco mais perto do começo do rio do que os que se deixaram arrastar."

domingo, 2 de maio de 2010

Desilusões: IV - Crepúsculo da vontade

Era um rapaz com 26 anos. Pretensões de querer de alguma forma mudar as pessoas permeavam boa parte das suas idéias: desejava que as pessoas se educassem, para que elas mesmas buscassem resolver seus problemas sem precisar da mão estendida a oferecer a ajuda fundamental, tanto para resolver quanto para minar cada vez mais as chances de crescimento daquele que se ajudaria através da rancificação da vontade própria do mesmo.

Mas, talvez, as idéias, com o tempo, começariam a soar opacas e amareladas, quase se fundindo ao fundo da gaveta e àquelas lembranças vagas, com cheiro de grama da infância... Agora, provavelmente, ainda haja um reluzir, como um velho relógio que tenha parado, mas que talvez, seja boa parte de um passado coerente e nada mais que isso...

Parece que não só as células que se degeneraram, mas também a esperança. Quiçá haverá de vir a próxima geração para soprar o pó acumulado por comodidade sobre as esperanças, para bradar o estandarte da vida e tentar amanhecer a geração anterior para novas idéias e novas esperanças.

domingo, 25 de abril de 2010

Irreal, surreal, transreal

Não se ocupe de correr atrás da realidade, pois é como correr atrás de fantasmas.

É claro que talvez surja então a vontade dizer que há é só alienação de filhotes de burgueses preocupados com a rotação das coisas em torno de si... mas e o que os não-filhos de burgueses diriam sobre a realidade? Que não seria menos que realidade a real dor de não ser considerado digno a ponto de não ter o que comer? Que seria não menos que real a realidade de trabalhar duro para ganhar pouco?

...sentimentalmente belo, mas objetivamente inócuo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sobre o silêncio

Abrem a boca para alardear os velhos clichetes, que julgam ser bonitos ou conter algum segredo do universo. 

Em si, são hermetismos ocos, como uma bola de ouro, de camada muito fina. A distância, reluz, ofusca, supreende e atrai. 

Os olhos menos míopes e mais rapinosos estralhaçam tais esferas brilhantes com garras racionalmente menos frágeis.
Mas antes de se lançarem, sozinhas, no penhasco, há o silêncio e a observação, sempre.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Desilusões: III - da pretensão sobre o ato

Achando que era o suficiente para ser considerado voluntário apenas fingi-lo (desculpe Pessoa, mas aqui não dá!), não conseguia fazer mais do que ser um voluntarioso, enxertando seu oco atitudinal com receitas de bolo sobre a existência.

Que fique claro: as instituições são formadas de pessoas.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Desilusões: II - Da etnia

Nem japoneses, ingleses, brasileiros ou africanos.
Humanos, quando valem a pena, estão acima da bobajada patriótica.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Insensível

Soslaiava o tempo todo: teus olhos, mesmo de frente para as pessoas, miravam vultos que apenas faziam pequenos riscos de grãos de areia em uma reluzente alma de titânio. Vultos tais que, não fosse o esforço delas mesmas para tentar ali configurar como existente sua própria humanidade, nunca se tornaria razoável a idéia de que haveria em fronte ao nosso herói mais do que um andróide arrogante simplesmente.

Quando não houvesse isso, os vultos seriam um interessante meio de crescimento dele mesmo e de fora dele... e uma vez findada a busca, seria tomada uma caixa, com várias divisórias e lá seria posta (cuidadosamente) e depois seria a caixa colocada numa estante, de infinitas prateleiras... (e há de se falar baixinho isso!)

Mas nunca humanos, isso não.


À parte disso, inventou-se (e o que não é inventado!?) de dizer que algo surgiu e mudou muito dentro dele.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Sobre qualquer pessoa importante


Tive esperança em algum momento:
num teatro hermético,
divaguei sobre a significação do amor,
para esquecer desse meu jeito sisificado.

Ironicamente,
pensei em falar sobre as vicissitudes,
de modo a não querer encerrar tragicamente:

apesar de tudo, o mesmo há de vir, obviamente.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Desilusões: I - Da ignorância

Não existe nenhuma forma correta de tornar um humano melhor (à parte de questões de sutilezas linguísticas), a não ser, talvez, escapando da alienação não-inerente.

E não me venham com lenga-lengas de esperança na educação: não existe nenhum meio asséptico de se configurar pessoas melhores. Estudantes universitários também podem ser imbecis: com pretensa superioridade, para piorar.

domingo, 21 de março de 2010

Revisitações do real:
I - Dos clichês, o melhor tema

Milagre

Com tanto que se há de fazer no mundo, (pois a vida é rápida)
quando alguém escolhe outra,
tendo outros tantos bilhões para fazê-lo,
para dedicar-lhe teu zelo,

indiferente das razões,
pois o amor não vive de razões,
neste tamanho milagre, o amor pode surgir,
com dois seres juntos para um maior devir.

Da incompletude do ato, faz-se um espanto:
tem-se um tempo ido, que sempre nos chega;
um tempo gasto, que nunca sobrou e nunca nos falta:

O amor não é completo,
mas nunca deverá o ser.

quinta-feira, 18 de março de 2010

...!

Acalma-te e vela por tuas idéias:
Não te perturbes pela turba inglória,
que se inquieta por disputas frívolas.

Espera o sol raiar na alma
E apenas prestigie os raios puros
Que iluminam a ti mesmo.

Esquece a briga
E busca por ti em ti.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Heráclito


Não há essência.

Há é construção constante,
no fluxo infindável da fugacidade inerente:
pelo menos enquanto houver crescimento...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Crença excessiva nos outros - Verborragias - parte I

Sei que somos na medida em que nos destacamos dos outros. Só somos enquanto conseguimos achar algo que diga que há uma diferença entre eu e os outros, que há um limiar, que há uma passagem, que em algum momento o outro representa algo que é estranho em mim. Descontado o fato de que isso pode parecer simplesmente apologia à segregação dos diferentes (mesmo por que, se agregamos os iguais, segregamos os diferentes, não há maneira. A identificação em grupo já é segregativa, desde que não são todas as pessoas iguais entre si.), sem isso não seríamos. Mas há de se considerar que há também um limite para essa necessidade de destaque: se há palavra a ser calada antes de sair da boca, assim deve ser feito. Quando digo que há palavra a ser calada, me refiro ao seguinte: elabore, fermente, jogue para cima, cheire, balance, torça, estique etc... as melhores palavras a serem ditas é aquelas que se podem fazer entender não somente no verbal! Um gesto, uma mímica, um desenho... o que se pode dizer só com a boca, não sei se vale a pena fazê-lo.

E por que digo tudo isto, pensam os que se prestaram a atingir este marco do texto: há necessidade de nos construírmos simplesmente à sombra do que todos os outros loucos que pairam sobre nossa cabeça dizem incessantemente, querendo que nos deformemos simplesmente sem nenhuma medida de melhora mas apenas de retorcimento da nossa personalidade? Vem a criança e vê o homem a olhar para cada moça que atravessa sua frente, produzindo pérolas para a literatura popular... a criança adquire o mesmo mote para construção de abordagem devido talvez a idéia que ela forma de que para se tornar homem, é preciso se encaixar dentro de um padrão definido por todos outros pertencentes àquela categoria... isso é razoável, no sentido prático para a criança, desde que ela precisa de algum ponto de referência... o problema é o espalhamento da atitude em todos os níveis da existência de outros seres humanos... por exemplo, numa dada matilha de adolescentes "machos", vê-se que pode ocorrer que cada um deles procure seguir algum "alfa"... E, isso, é oco, no sentido de você buscar crescer por seus próprios passos pois você vai estar dependente da instabilidade do sentido que foi imposto anteriormente pelo "chefe".

E tudo isto, é para aparecer; é destaque, mas não é "efetivo". Digo, o falar por falar, por exemplo, é besta.

O menino fala como o homem, chamando a moça ali de "gostosa", mas não compreende direito o que se diz... nem entende o que é cópula e muito menos toda complexidade das relações humanas que os adultos também facilmente se embaraçam... E faz por que ele é náufrago, um desesperado no mar de palavras proibidas, necessárias e inacessíveis... E aí que vê-se rapazes de vinte e tantos anos se metendo a falar asneiras como crianças, interpretando o papel de perdidos na verborragia, se afogando nas atitudes incompreendidas.

Há de se entender que não se está advogando por qualquer abundância de confiança, coisa cara à moda tosca que ronda os nossos dias, de querer ser o Sapiens correto, direto, que corta a ignorância, a alienação com sua lâmina flamejante da certeza, do bom senso; ele não chora, não titubeia, não erra e acredita em toda infinita bondade humana e o que mais há de se enxertar do mesmo modo como se entopem linguiças.

Se eu tentasse enfiar isso tudo numa caixa de fósforos, ficaria assim: buscar crescer na mesma medida que lhe atribuem altura, é fadar-se a ser anão.

*Critiquem, desçam o verbo! Senti vontade escrever incessantemente para ver como as idéias se acomodariam se elas fossem jogadas como roupas sujas dentro de um cesto, com pouquíssimo critério. Espero que pelo menos tenha havido clareza no que tentei atingir. Se acharem generalidades incompreensíveis, me façam sabè-lo, por que este texto serve bem também para saber a quantas anda a mentalidade de cá...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Volúpia alheia

Ceci nest pas un chaussurre

Seu corpo exala um aroma impuro e pertubador.
Teu corpo é agora.

Escorre esguia entre os lobos, imaginando estar cumprindo somente seu desejo de prazer. Exercendo bem a promoção necessária para uma máquina hedonista ortodoxa, parecia esquecer-se a todo momento de que não havia somente ela a pairar sobre aquele mar de prazeres que gostava de fazer pensar que estava habituada... Curvavam-se perante seus dotes e isto bastava-lhe no teórico, sendo que no prático só tinha importância a consequência do teórico. Faltava a percepção do outro, faltava ver que não existia esse arder sem ar...

Regojizava-se aos olhos alheios, ao furor insano com o qual se atiravam sobre ela a cada movimento do estranho quadro ali conformado: pés pequenos sob um stiletto vermelho anunciando o perfume mesclado de suposto pudor, quase a explodir o elegante vestido de alvo-hipócrita, que se contorcia às provocações dos moços bêbados vulgares, com a própria vontade de arrebatar com um olhar e beijo ferinos os mesmos moços que talvez fossem tão sujos quanto a sua mente se rejubilava em imaginar que o deixar-se tomar pela devassidão permitiria.

Quixotescamente, erguia-se sobre si mesma de moinho à gigante, enquanto dominadora, como se fossem suas incapacidades de sentir profundamente e de amar sem saber amar, um mero personagem cavaleiresco de um conto de Cervantes, sem perceber que nisso, ela se constituía num fantoche da sua própria angústia de não conseguir e de nem saber o que ela desejava para si.

Apesar de necessitarmos do outro,
há sempre a necessidade de surgirmos por nós mesmos sobre nossos pés.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tristeza contida

Não velo meus mortos.

Procuro mirar a forçosa serenidade, de modo a encerrar a dolorida porém necessária face de um passado às vezes mais saudoso, mais bonito ou menos angustiante ou estranho.

Era uma pessoa comum. À parte de considerações woolfianas, era comum o suficiente para não arriscar em um vôo linguístico maior do que me pareceu exatamente acertado. Mas, deve-se citar sua enorme serenidade quase que anti-materialista, que longe de ser taxada como ignorância, relevava os erros da sua prostituta mulher, que torrava as economias dele com outro homem: ela era mãe de um filho teu, pequeno ser que ele depositava o resto das esperanças destroçadas.

O significado do seu nome remetia a "homem da primavera". Sem nada como destino, mas simplesmente como metáfora conclusiva brilhante, assim foi a sua vida: cresceu, floresceu, morreu. Assim o fez de modo tão natural, que era ele mesmo a própria primavera.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sobre estar sob a existência




Era jovem e triste.

Exponha seus sentimentos, disseram-lhe: Mãe, pai amo vocês!
As não-ressonâncias trituraram-na: está louca, não sabe o que diz.

E lá no alto, jogou-se à alguma pretensa vida na visão de todas as janelas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Escrever...!

Um ruído arranhava o resto de zunido zincoso e zeugmático da escuridão noturna, com a permissão etílica dos anfitriões da noite.


Volto para a cadeira e continuo a soletrar expressões metalinguísticas como esta, à espera da conclusão em forma de texto sereno, originado da torrente de idéias picotadas e molhadas que andavam à se apoiar nos verbos e substantivos soltos que boiavam nas horas preguiçosas com tempo de sobra.

Ocorre-me então de tentar dar um porquê de metaforizar, dado que a metalinguística sucumbiu perante a coesão. Inicialmente, introduzo o debate apontando a possível pedância do ato e continuando o mesmo com a hipótese de que há aqui um lirismo necessário. Complementando a idéia lírica com a amplitude da significação poética, considero que havia era uma luta contra a ditadura semântica, contra o autoritarismo da objetividade pura e simples: por que, se é sobre as dificuldades que se molda a capacidade, por que é que os belos textos se moldariam em cima de alguns poucos significados? Não que houvesse infinitos, por que isso é hipótese descabida, mas mais que um, se houvesse beleza.

Valho-me ainda, se minha referência o permite, da frase: "Sua força deve ser pública e seus medos, privados. Compartilhe seus sorrisos, chore na solidão.". O significado disso textualmente me é: escrever é algo necessário para mim... mas não devo sair por aí alardeando desesperos... então, resta o deslocamento da significação para o plano da multiplicidade, de modo que o verdadeiro sentido se oculte... que seja hermético mesmo. Dirão: "Mas não interpretarão da maneira correta!" E responderei: "Tomara! Já o disse, escrever é necessário, mas não o é tomarem o desespero para si.". Se retrucassem "E se desvendarem?", diria eu: "Quer dizer que me meterei a Dédalo de novo...!"

A angústia e o escrever são inevitáveis, mas deve se evitar totalmente o desespero.