Foto: sxc.hu

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Existência culposa

Era pequeno e nocivo. Era pequeno e sujo. Pequeno e doente.

Mas seus olhos inocentes - pois apenas se portava como sempre foi - acompanhavam aqueles seus últimos segundos de ferro, junto a alguns olhos alheios, atentos às pronúncias mudas mas certeiras de rústico carrasco improvisado.

Era almoço e talvez fosse comprar camisas no Brás. Talvez fosse um dia comum, em que se trabalharia, depois se gastaria e se continuaria no pacato ritmo que o esquecimento da dor alheia proporciona para o bem da consciência.

Era pequena e de metal, mas maior que a maldade inocente, a balançar seu pequeno nariz.
Um homem jovem, talvez com uns quarenta anos. Segurava um pedaço de pau e encaixava entre as grades. Talvez fosse um show de rua.

Passantes riam. Riam do que, demônios?

Era meio-dia e também três golpes.

Mesmo que corresse sobre o homem e acabasse com tudo, não seria o dia menos incomum. Mas com que direito que se haveria de escolher que tipo de dia incomum quisera ali ter? Não havia direito nenhum, exceto de compreender suas próprias mãos também em volta do mesmo pescoço golpeado, agora quebrado e frio mas liberto da culpa.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Verdadeiro engano

"Enquanto vocês tão trabalhando,
eu tô enrolando.
Enquanto vocês tão dormindo,
eu tô passeando."

Assim entoava o senhor sossegadamente, várias vezes, deitado sob suas palavras que teciam sua loucura, exclamada por risos, soslaios e desdéns supostamente triunfantes.

"Vou deitar porque aí eu não caio. Você vai me derrubar?"

O carretel de linha que tinha nas mãos talvez fosse só a materialização vulgar do seu discurso. Talvez o silêncio que assolasse sua mente - esta sedenta de algum querer, qual fosse - movesse aquelas mãos calejadas a construir o estranho objeto, que portava como um estandarte da sua quixotitude.

Diriam que ele ali se iludia acerca dos moinhos se tornando gigantes: que não houvesse dúvida disso! Mas aquele agir, aquele desencontro consigo mesmo, tinha algo de eternidade... bem diverso da vontade de se tornar uníssono com mudas vozes.

E, cite-se: houve quem percebesse que a dita vitória, a brilhar como ouro, em realidade, após precisos desgastes de ourives meticulosos, treinados mesmo com a lima mais fina do bom-senso, revelava-se apenas fina cobertura sobre uma reles vontade pueril de se manter dentro da normalidade alardeada pela mentalidade de rebanho.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Fim.

Era como se apagassem as luzes e a última pessoa saísse do auditório... o show, o brilho, a ternura e os movimentos já haviam ficado há tempos num passado que teimava em ser presente... doía-lhe o peito como se tivesse engolido a sua própria estrela, a mais alta do céu... como se suas pontas, que antes tocavam-lhe suave a pele, agora a rasgassem, a cada lembrança, a cada foto, a cada música... tudo agora transmutava em dor através dos seus olhos, ouvidos, mente e peito...

Não que não gostasse mais de estar ali, próximo a luz do sol: adorava... mas agora esse mesmo sol não precisava tanto dele quanto antes... e agora, vinha a noite e seus pesadelos mais terríveis... sozinho na cama,  sentia aquelas palavras sinceras, que soavam como um sino budista, liquefazerem-se em sal vertido num rosto sem graça e ainda maquiado em um dos últimos sorrisos...

Queria entender onde havia errado... pensara em várias causas, mas houve o argumento de que isso aconteceria por causa de um canalha, independente do que se fizesse. Quer dizer, assinou um contrato tácito de felicidade temporária a la Vinícius...

Sua impotência e feiúra agora respondiam por tudo...

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sonne


Frágil beleza:
gotas de sol dourando
o entardecer.

(autor desconhecido)