Foto: sxc.hu

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Manuel Bandeira

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.
— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?

A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:
— Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:
— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Futuro

Onde estariam todas aquelas coisas que vimos e nos impressionamos? Sim, de um ponto de vista, elas estão lá, no passado, esperando para serem revisitadas, para nos reimpressionarmos e reescrevermos nosso mundo. Mas e agora, nesse momento, o que lhes aconteceu? Mudaram, continuam iguais?

Aquele bom senhor, que um dia visitamos sua humilde casa, onde mal se via distinção entre quartos e sala, entre deuses e matéria, entre realidade e sonho, o que será que aconteceu a ele? Por que, para nós, ele ainda está lá, sentado na mesma cadeira, balbuciando os mesmos sons quase mântricos, fazendo-nos pensar sobre o quão difíceis podem ser os caminhos para os quais direcionamos nossa vida, a ponto de nos assustarmos com atos de solidariedade e de boa vontade.

E aos lugares que um dia moramos, às casas de nossas viagens, o que aconteceu a eles? Às vezes tenta-se revisitar estes lugares sem nossa presença mesmo, com auxílio da imaginação. E dá mais saudade e dá uma pontinha de tristeza também... são dias bons esses, que não poderemos ter iguais.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Hetaira moderna

Ela tinha consciência que a sociedade lhe dava as costas.



Talvez isso fosse uma boa motivação para ela agir dessa forma... Claro que, na verdade, a motivação era maior que isso: subexistir, viver ali, na borda da moral, quase caindo fora do mundo, mundo que realmente deveria sair um pouco dos escritórios da burocracia dos convívios e formalides olá-excelentíssimo-prazer-eu-sou e devo-lhe-minha-subserviência-senhor. Além disso, para ela era como um trabalho qualquer (tomado os seus devidos cuidados), pois já tinha transcendido boa parte do moralismo que haviam tacado dentro dela. Mas era tudo isso para ela: gostassem ou não. E ela pensava frequentemente sobre isso, sobre a banalização e sacralização das coisas. Sabia que seu emprego estava mais para banalização do que sacralização, mesmo por que sua profissão não era das mais sacras... profissão no sentido econômico, como meio de se realizar. O seu ponto de vista filosófico era bem mais como um ponto de fuga, onde sua "profissão" residia no plano que logo se nos apresenta, como uma casca que os mais leigos de imediato consideram ser a essência.

Ela era realmente bonita, mas sabia que, novamente, era apenas casca e mais casca dar qualquer valor extrapessoal para aquilo: se se cuidava, era para si e não pelos outros.

E ela gostava de estar assim, à parte da tacanhez característica dos moralistas extremados, por que sabia que esse era o caminho certo para um dia, quem sabe, se conhecer melhor.