Foto: sxc.hu

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Primavera negra

Insólita noite em que fois coroada
rainha de ébano do rubro cetro
a buscar seiva de luzetro
com vigor de erótica balada:

arfei ritmado e febril
entre colunas com prazer sulcadas
como em devaneio primaveril
a soar sonoras cavalgadas,

em belo prado de prazer
que em beleza abunda.
Na tua suspiração profunda,
vi teu rosto esmorecer:

arqueando-se violenta e terna
percorri teus formosos montes
a ter teus olhos como lanterna
com deleite e espanto defrontes.

Que o eterno seja um lapso
livre como albatroz
no qual eu colapso
contra a solidão atroz

por destilar seu riso denso
do meu eu tão propenso
a se embriagar de tristeza
e da dor, da certeza.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Raiva como transcendência

Odeia. Odiava. Odiando.

Os tempos verbais esgueiravam-se sob sua carne.

Mas aquilo de alguma forma ia tirando-o de um suposto conforto baseado em impressões pseudo-holísticas, sobre práticas de amor e otimismo axiomáticos.

O amor excessivo ancora a alma.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O bondoso

Sempre foi bom e controlado.
Confrontos e perdas? Medo. Não se contrapunha à vida, esperava que ela lhe viesse, como um verso natural de um haiku. Na escola, agredido; na vida amorosa, esquecido; no trabalho, submisso.

Sentia-se mal por isso, mas, era isso que era sua vida, não é mesmo? A menos de um mês de lembrar-se do tempo que tão rápido tudo corrói, pensava sobre a vida, mas, preferia, de repente, ignorar tudo isso. De repente, ignorando, a vida vinha, como nas histórias de borboletas e jardins tão facilmente digeridas por aí.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Dissolução

Caminhar na praia
é como percorrer estrofes
porque no auge da alegria
ergue castelos e os habita.

E se espantam-se os olhos
forçosos por não derramarem,
peço, contemplem o finalizar da obra:
aí vem a maré.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Armadura

Brilhavam reluzentes 20 mm de puro aço sobre seu coração rijo, dentro de um peito de parcas lutas; luvas e botas que, de tão rijas, lhe permitiam somente os movimentos necessários, para que lembrasse sobre o quanto os movimentos deveriam ser mais bem calculados, para que não caísse em profundos poços que eram como se se abrissem sob seus pés quando errava os passos e nem erguesse nem mesmo uma pena a assinar tratados exaltados ou sem valor.

Sua valentia agora desbravaria somente locais que houvesse um mínimo de sol. Cansara dos terrenos pantanosos que havia desbravado para tentar matar alguns reles inimigos e conter sua sede de luta, o que, às vezes até revelava-se infrutífera. Sede tal que ele mesmo começava a questionar, pois, tendo lhe sido inculcada essa suposta coragem guerreira, lutava sem saber exatamente, somente para depois poder contar feitos a outros guerreiros.

Havia sim algum gosto, mas na proporção inversa da quantidade de vezes que empunha a espada perante até mesmo sua própria sombra.

Mas, agora, tendo reconhecido o real núcleo de sua vontade, não lutaria com água até a entrar-lhe nas botas, para meramente fincar a espada em três ou cinco mourões briguentos, atacados pela mesma sede irascível e cega. Não quixotearia contra gigantes a girar os braços.

Fitaria de longe grandes pastos. Procuraria um grande esgrimista para que pudesse brigar sobre um fortíssimo sol que lhe torraria o rosto mas sobre o qual, depois, diria: "vim, vi, venci".

Sentia a brisa e percebeu que havia esquecido de viver enquanto lutava.