Foto: sxc.hu

domingo, 28 de junho de 2009

Animal solitário

Ele sempre esteve a par daqueles homens que o seguiam. A realidade, ela estava encapsulada nos olhos daquela câmera que via tudo o que ele fazia. Mas os amigos, ah, nesses eu posso confiar... mas, e o que ela me disse ontem... ela estava insinuando que eu era o responsável por... não, como seria possível, não teria como ela saber... mas e se... esqueça, essas coisas me fazem perder a cabeça.


Constantemente, até seu respirar parecia pressentir os olhos de soslaio que miravam seus erros, um por um, procurando fazer neles sua derrocada ao erro definitivo, o erro desmoralizador e mortal. Por que, ontem mesmo, aquela mulher me olhou de um jeito estranho... mas ela nem era tão bonita. Bom, por que eu não lhe daria chances, se ela está me olhando? Mas e... ahn? Um anel? Bom, ah, um caso extraconjugal... é algo até comum hoje...


A verdade mesmo é que essa paranóia não é a procura do perseguidor, mas a busca de algo a ser perseguido. Por que tem que ser o paranóico? Enquanto este não acha um porquê para alguém querê-lo perto, ele acha um porquê para não querê-lo... de alguma forma, isto te diz que alguém está olhando para você. O paranóico é um bicho sozinho e por isso ele quer que alguém o siga. Na falta, ele cria.


Mas não é bem questão de criar: eu vejo as pessoas me olhando! Por que seus sensos moralistas demais condenam tudo que eu faço! Se eu deito meus olhos derramando volúpia sobre uma mulher, já me condenam! Eu reprovo estes! Minha criminalização é bem injusta, pois é a própria mulher que se avilta em atos censuráveis! Pois, pelo fato de, e observem bem, a quantidade de palavras que giram em torno da idéia de culpa e erro ser muito grande, é bem razoável pensarmos na culpa do próprio narrador dentro de todas as suas críticas de perseguição indevida!


Pois, eu, discordo, e muito. Um olhar sagaz é capaz de desvelar sutilezas, que os olhos otimistas transformam em bobagens. Por que o olho das pessoas capazes é pejorativamente denotado como "paranóico"; são pessoas que enxergam o mundo no todo!

E eu ainda afirmo: o paranóico é um animal que se socializa com sombras platônicas travestidas de espíritos livres!

E o ciclo do paranóico e seu senso de culpa continua, até que ocorra o indubitável.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Loucura necessária

Bradava pelo que ninguém mais entendia. Filosofava de braços dados com seu copo de alegria etílica, agora não mais sozinho, estando junto de si. No ponto de ônibus, o esforço do pobre Homem (havia se transmutado de marionete para ser sincero), ecoava nos preconceitos das pessoas que o observavam, com tom de zombaria ou pena, por mais uma vida estragada. Mas, alguém lembrou-se dos versos fundamentais:

"Quero antes o lirismo dos loucos
o lirismo dos bêbados
o lirismo difícil e pungente dos bêbados..."

Agora, o Homem vertia-se nos seus próprios olhos.

"O Japão, ele sofreu com a bomba de Hiroshima."

Mas isso era hermético na mesma medida da alienação do observador à poesia e à dor inerente ao mundo. Recomeçado o seu discurso, tentava penetrar nos olhos de algum transeunte: sua face e sua barba revelavam a matiz de anti-experiência que seu discurso carregava. Tomado da sensação de alguém ter lhe ouvido, o homem parecia estar se fazendo entender:

"Eu, eu gosto do Japão."

O poeta bandeiriano saudava o receptor sobre a verdade nos próprios olhos com seu aperto de mão, quando, quase no mesmo momento, chegava o ônibus.

A reflexão rendeu frutos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Pragmatismo

Os alucinados, em frente à caixa fetichista, se deliciam com todo dramalhão e alegria que ela emana. Deliciam-se com algum tipo de pressuposta superioridade, por causa de alguma escolha banal, por que uma roupa tem uma etiqueta que indica status, por que ele é chauvinista (mesmo cometendo inúmeros atos anti-nacionalistas), por que ele tem o carro que ele sabe que corre a 220 Km/h (mas que ele não pode usar nessa velocidade), por que ele tem 1000 livros em sua estante (e não leu inteiro 100 e nem entendeu 50, sendo que metade dos 50 são livros ruins) ou porque seu corpo lembra o ideal espartano (apesar de sua cabeça estar no outro oposto do ideal ateniense). Eles conhecem a vida de todos os artistas ou esportistas e sonham em casar com um deles (mesmo sabendo que esses artistas não os conhecem e nem fazem questão de conhecer).

Tudo é fetiche: tudo é sonho, a fuga da realidade é mais viável que tomá-la de frente, do ponto de vista da alegria imediata. Por que a alegria tem que ser agora, temos que ser felizes!!! A tristeza só vale a pena se for para vender remédios anti-depressivos, livros de auto-ajuda e entretenimento barato.

"Como? Você não é feliz? Ligue já para este número e...!"

Não!
Silencie essas vozes!
Desligue a TV ou seu rádio e olhe pela janela com seus olhos.

Lá fora, o mundo é bem maior do que este monte de conceitos deformados, que tem como teoremas a sua alienação cíclica e te fazem querer preencher sua vazieza existencial com produtos e comida. Que importa se sua camisa é menos branca que a do vizinho? Será que só se demonstra afeto com presentes?

Pense o que você quiser.
Repense o que querem que você pense.