Foto: sxc.hu

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Infinita beleza da finitude

- "Mããããe, pega a borboleta para mim", exclamou a criança, como se anunciasse a pré-beleza rudimentar da borboleta fora do recipiente de vidro, que quase deixava ela escapar.

Havia beleza por vir ainda, tanto na borboleta quanto na criança e na estrutura geral dos processos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Marionete de barro

Sendo uma pessoa de muitas pretensões, não poderia faltar a característica de criar universos e neles colocar seres com mesmas características que a dos seres humanos, por exemplo, como a incredulidade. Não ocorreu a falta, obviamente, de moldar uma entidade que seria considerada superior e que, de acordo com estes seres, eles deveriam exercer culto, devido ao caráter criativo da mesma. Neste universo criado, foi imaginado também que o Artesão (nome dado pela civilização imaginária, conotando a maneira como os pequenos seres imaginavam o processo de criação e como eles se consideravam perante a sua entidade-mor), num momento de reflexão, criou seres que tinham de média a severa deficiência motora, mental ou sensitiva. Os que presenciavam o suposto sofrimento de tais seres, questionavam-se sobre a existência de infelizes que eram considerados abaixo da imagem do barro primordial, do Artesão. Alguns diziam que a aceitação deles era imprescindível, apesar de tudo, pois eram filhos d'Ele. Outros, na mesma linha de raciocínio, mudando somente a direção, afirmavam que a existência do sofrimento das "vítimas" do afamado ser superior não era menos do que a prova derradeira da inexistência de tal entidade, pois não deveria se esperar que nele houvesse uma resposta melhor do que essa?

Uma risada sutil esculpiu-se num rosto dúbio. Talvez tenha conseguido o que queria.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fenixidade falsa

Ela adorava ele, seu jeito sincero, que ninguém substituíria nunca... mas, às vezes, caminhos que podem afastar as pessoas dos seus semelhantes são, inadvertidamente, escolhidos. E ocorreu que um dia um se perdeu do outro e foram se encontrar somente na dor da morte.

Mas poderosos místicos continham conhecimento suficiente para torná-lo vivo novamente. Tomariam um pedaço dele e refariam o corpo todo. Só que a condição que os místicos lhe impunham era de que ela viveria cada vez menos intensamente sua vida, por que as unicidades destas chances seriam perdidas em cada um desses processos.

E ela, não entendendo completamente o significado da condição, disse que aceitava. Praticamente como assinado o processo, iniciaram os místicos toda gama de alquimias logicizadas. Em alguns dias, milagrosamente, foi como se seu amigo houvesse voltado, sem que nunca houvesse mergulhado para sempre em um mundo de memórias somente. Estranhamente, ela se sentia um tanto confusa em já ter visto aquela cena, mas parecendo ter um sentimento diferente.

Passam-se alguns dias e, como se estivesse presa num ciclo infinito, novamente, escolheu caminhos que lhe tomaram longe de seu amigo (e isso foi mais rápido que antes); dentro do mesmo ciclo também, ele morreu.

Chorando sobre o corpo morto, rogou aos alquimistas lógicos novamente o processo, ao passo que, na mesma medida da secura das condições, seca foi a resposta: foram dadas as condições. Aceitaste-as, não há o que discutir.

E não havia mais nada o que fazer: enquanto caía a noite, como sempre ocorreu, ela re-velava o corpo morto, mas sem revelar-se.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Eolos

Atravessei de uma janela a sul
à uma janela ao norte
como um prenúncio de chuva.
Atravessei algum vago lugar
de alguma saudade,
a sentar calmo à beira do lago.

E atravessei convictamente
como um ser trágico,
que afirma o presente
e apenas sorri ao passado,
sem ressentimento.

Atravesso a vida,
sem transcedência,
para viver de verdade.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Nova Idéia foi-se embora

A pseudo-cefaléia dançava ao lado do sol que parecia estar dentro de mim, queimando o resto de esperança pela Musa.
E não se deveria esperar, como nos filmes, que Ela se separasse agora d'Ele. A angústia reverberava nas conversas e soava no altar das Novas Idéias. Mas ele agora parecia ter implodido, pela influência psicossomática negativa exercida pela terrível palavra de nove letras, letal, direta e impiedosa. Seria um desencontro?


Otimismo demais.

Acho que isso deveria soar como a certeza que propicia uma outra dança. Mas ainda assim, dói pela perda (como um jogo, como todas as relações humanas são) e pelo fim da dúvida daquilo que eu tinha certeza.

Adeus Nova Idéia.
Que venham novas idéias, menos doces, mas mais etílicas.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sufocamento

Toda semana ele perguntava a ela sobre quando poderiam sair e lhe contava sobre suas viagens e suas idéias.
E ela nunca podia sair, apesar de parecer gostar de lhe ouvir. Um dia, ele resolveu mudar.

Pensou que ela deveria respirar e que não deixá-la fazer isso descaracterizaria as vontades dela.
Hoje, ele que está esperando ela ligar.

Mas acho que isso não será feito.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sete palmos são sete palmos

Era uma pessoa tímida, que alguma espécie de medo ao contato com o próximo a impedia de realizar seu desejo mais profundo: encontrar sua alma gêmea. Imagem esta já bem formada, de um moço de cavalo e intenções brancas. Um dia ela encontrou um demônio montado num dragão e quis mudá-lo. Ela apanhava todo dia.

De desgosto, morreu cedo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tropa ignóbil

O ranço que escorria do pessimismo ignorante se refestelava dentro das suas bocas.

Teus risos unilaterais, monologantes, parecem até justificar o doce gosto que vem dos podres e infestados pensamentos imediatistas, alienados, que insinuam o tom dos clichês que se atribuem aos que se esforçam por não cair na velha conversa da verdade absoluta (Foucalt que o diga!): inocentes, idealistas, extremistas, radicais, "socialistas", "anarquistas" (e muito mais outros movimentos políticos estereotipados pela tacanhez, alheia a compreensão dos processos)... mas, sabe, estes teus chicletes não passam de angústia disfarçada de escudo brilhante.

A sutileza linguística era uma das suas armas: tratavam de diminutivar na mesma proporção do tamanho da sombra que sua soberba fazia pairar sobre os outros. E era assim: não ousasse ninguém captar essa manobra mental, por que senão o manjado discurso da não aceitação de opiniões emergiria.

Claro que, com menos do que o próprio cérebro, não era muito complicado compreender a demanda do pisar alheio: é a velha história de ser a partir do não-ser dos outros.

Será que a escuridão só existe na medida em que não há luz?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O bêbado

Olhavam com assombro para o pobre embriagado.
Questionou-se sobre onde ele estava... tentei dizer o bairro, como se isso talvez suprisse a pergunta, o que depois percebi que não. Arbitrariou que seu destino era o metrô, estando num ônibus que tinha passado há muito pelo Consolação... o motorista então o instruiu a atravessar para o outro lado de uma rua que não o ia deixar cumprir tal tarefa... desacatando a altivez com que se impunha a velocidade capitalistamente necessária do ônibus, o motorista do coletivo se vestiu com o resto das minhas esperanças que ainda tenho na humanidade, daquelas que vem com um óculos que nem aqueles 3-D, mas que fazem a gente ver que antes de bêbado, estava ali o homem, com um problema que não sabíamos, e se decidiu.

Pousando sublimemente o ônibus, o motorista se ergueu como se brandisse a todos a obrigação de ser humano com os humanos. Guiando o ébrio até o outro lado da rua, deve tê-lo instruído sobre quais ônibus pegar e depois, talvez ainda sentindo o poder de re-humanização que tais tipos de coisas conseguem fazer, pensava alto, inclusive sobre a atitude primeira que havia considerado, que era a de largar o homem naquele estado à sorte da neutralidade de culpa dos carros.

Pensava alto, pedindo perdão talvez. Mal sabia ele que seu ato havia construído o perdão ali, havia construído um dia incomum, que não o seria num dia em que o seu não-ato implicaria no corpo estendido de um bêbado.

Não menos que um sincero aperto de mão este verdadeiro ser humano merece.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ciclo

"Aqui se faz, aqui se paga" era o símbolo no estandarte metafórico da justiça que cortava o sol numa manhã em que um menino raiou estrangulado num beco indigno.

Mas sempre houve um motivo para se dizer que havia algum erro ainda em tais palavras:
tantas ilegalidades, impunes, que fortaleciam o caráter da morosidade da lei, não eram a confirmação de que não havia nenhuma forte luz que provinha da pequena frase?

A fagulha, voando solta, era um incêndio esperando o lugar certo. Caiu no momento em que as pessoas se amontoavam para tomar um mesmo ônibus e não deixavam este sair, apesar de haver um outro igual atrás; formado o incêndio, voou um pedaço e caiu quando um passageiro ligou seu celular com MP3, esperando disseminar sobre seus gostos duvidosos. E mais e mais continuava voando, por semanas, até que veio: era a luz que provinha do estandarte, fenixioso; o mesmo passageiro que ligava o celular, era o mesmo que reclamava que as pessoas ficavam na porta e era também o que reclamava dos políticos roubando: este não percebia que eram todos aqueles atos, atos que emergiam da mesma fonte: o egoísmo sussurava todos os passos mesquinhos que remetiam a alguma espécie de sentimento de auto-sobrevivência urbana que, porém, era em realidade, auto-destrutivo e daninho, por que corroborava a ignorância do outro e nos tornava mais isolados do todo. Algumas vezes, quando se faz, pode-se entrar num ciclo de sofrer, caso este rode devido à força motriz da própria pessoa, que pode o fazer dentro de uma perspectiva de prazer a todo momento.

E se eram todos os passos sujos à base do pisar dos alheios, as pegadas formavam uma nova lei de conduta, que era a lei do somente-eu: eu sou; você que se seja à sua maneira, isto é problema seu.

sábado, 12 de setembro de 2009

Morte

Não compreendia exatamente o que queriam dizer por "o objetivo da vida é ser feliz" (Havia tempos em que já presenciava a ditadura da felicidade). Fazia seu trabalho honestamente e considerava que era esse seu objetivo, ser bom no que fazia. A felicidade era non-sense na mesma medida em que compreendia perfeitamente que, na verdade, era um trabalho que só alimentava as veias já grossas da burocracia que oprimia os que possuíam menos chaves para atravessar as portas kafkianas da justiça; apesar disso, entendia também que se não fosse ele, outros haveriam de vir e tomar o seu lugar.

Mas ele possuía outro trabalho: "apaziguador de dores imensas" ele se auto-denominava. Mas tal serviço circulava apenas nas bocas sujas das vielas de moços escuros, que anunciavam que a morte era só uma passagem e havia alguém que poderia lhe fornecer o "bilhete" para entrar neste mundo: havia muitas formas, desde cicuta à quase sublimação do conceito de dor num tratamento sem crueldade, feito porém com seriedade. Claro que, de antemão, ele sempre declarava que só cumpria seu papel de "sublimador" das vontades e que a escolha era da pessoa: por isso não cobrava, considerando o ato cumprido pagamento suficiente para sua própria auto-estima.

Para ele, a morte era só mais uma fase da existência.

sábado, 5 de setembro de 2009

Aleatório

Há tempos que ela não conseguia se adaptar as inúmeras regras que a religião da sua mãe impunha. Um dia lendo na internet sobre agnosticismo, decidiu ser agnóstica. Ah, é que não desacredito nem acredito... alguém alguma vez tentou lhe alertar sobre a futilidade desta auto-denominação desregrada: tem certas coisas, sabe, que não é por que a gente diz que a gente é, entende? Mas ela já tinha fundado sua própria religião, que era a religião do muro. Ser meio termo das coisas, quando não se sabe. Sabe-se que isso pode ser bom às vezes... só que ela já pensava que aquilo era sempre posicionamento filosófico e não impasse cultural ou intelectual. Faltava-lhe a chave para transmutar de um para o outro: motivação filosófica ou mesmo amparo do bom senso ou de argumentação um pouco mais coesa e sintética.

Mais cômica (ou trágica) a situação se tornava quando ela gesticulava para o mundo de forma sisuda, como se a cada movimento seu, as religiões viessem por terra, com seus argumentos de dúvida! E isso, ela fazia sem perceber que esse sentimento de dúvida era o que residia dentro de si e era estruturalmente mais fraco que o argumento daqueles que ela acreditava estar acima... Não percebeste que o que faz é simplesmente destruir e destruir? Não estás a construir nada com isso tudo!

E essa 'religião' dela, se proliferou...
e se disseminou para todos os campos!

Se se pudesse dividir em duas partes todas as coisas do mundo (mesmo não podendo-se, há um apelo didático incrível!...), vendo tudo isso, dividiria-se assim:

as que a gente consegue fazer sabendo

e

as que gente consegue fazer por sorte.

As que a gente faz por sorte, na verdade, a gente gesticula e depois chama o gesto daquilo que a gente quer (um sorrisinho de canto de boca nietzschiano surge aqui): começa-se em lugar algum e chega-se a lugar nenhum... só que esse lugar nenhum, os apressados tem a mania de chamar daquilo que queremos. Agora, se a gente sabe o que quer e faz, aí a história é bem outra. E aqui é bem a situação de conceituar o que não se deve!

Quem vê de fora, não entende a diferença de um para outro. E é por isso que é necessário olhar para o núcleo da situação: não se acredita nem se desacredita, é isso? O que leva a essa conclusão? Se você está tentando adivinhar, acho que você está "em desvantagem" com as religiões (por que elas não adivinham, mas crêem) e basicamente não quer seguir as religiões por que não consegue se adaptar, mas daí isso não tem nada a ver com elas, necessariamente, estarem erradas. Você pode afirmar, argumentativamente, que o problema não é seu?

Definitivamente não.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Obviedade

Por que você não se retira?

Tokusan estava estudando o Zen com Ryutan.
Uma noite, Tokusan foi a Ryutan
e lhe fez muitas perguntas.

O Instrutor disse:
"Já é tarde da noite.
Por que você não se retira?"

Tokusan inclinou-se
e, ao abrir a cortina para sair,
observou:
"Está muito escuro lá fora."

Ryutan ofereceu-lhe uma vela acesa
para encontrar seu caminho.
Mas logo que Tokusan a recebeu
Ryutan assoprou-a.

Neste momento,
a mente de Tokusan abriu-se.

Texto incrível, que chegou a meu conhecimento por causa da matéria EDF0290 - Práticas escolares, contemporaneidade e processos de subjetivação; agradeço a professora Cintya Regina Ribeiro por uma aula tão produtiva.

Peço desculpas a obviedade (pelas críticas infundadas feitas por mim), pois, esta, quando levada ao extremo, pode surtir primariamente um efeito cômico, para depois causar estranhamento, coisa fundamental para todo ser humano que deseja dar sempre um passo além de si mesmo...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Sobre o difícil ato de ser simples

O metalúrgico lembra-se, 5 minutos antes do fim do seu almoço, que a produção deve aumentar: esquece de si e vai produzir. O grande gerente de uma grande empresa lembra-se da última reunião, em que foi mostrado que as políticas atuais devem ser revistas devido a cortes orçamentários, e se esquece que o aniversário de sua filha é hoje. A vendedora, que passa por um artista que exibe seus artefatos, lembra-se de andar um pouco mais rápido por que precisa pedir um aumento para seu chefe, e esquece de olhar para o mundo ao seu redor.

Neste mesmo instante, no meio de toda aquela agitação, podemos perceber seres singulares. Suas existências tem um brilho tão excepcional, mas não daqueles clarões, que nos fazem fugir da luz, e sim de uma tonalidade realmente distoante de todas aquelas luzes artificiais, que nos fazem parar e prestar atenção: o homem que faz um papagaio tirar a sorte no papel, com sua música melancólica; um jovem na Paulista, que munido de um simples violino e seu estojo, discorre sobre Bach e outros grandes nomes; a velha senhora com suas tradições, que observa sem preconceito aos atos loucos dos jovens, pois lembra que teve sua época... são todos eles estrelas em constante morte. Infinitas supernovas.

Isso tudo me fez pensar sobre Virginia Woolf: ela tomava seres simples e buscava a beleza deles.
E tal simplicidade, se existir, ocorrerá nos atos, pois o ser humano é complexo.


...

Podemos ver aquele senhor que, com seu radiozinho de pilha, escuta as velhas músicas de sua infância (tais canções povoadas de rios brilhantes, enquanto observa com olhos de criança o mundo tão mudado, com pessoas querendo ser tanto, mas sendo diferentes de si próprias) e transita num nuliverso todo a parte, em que o tempo agora escorre lentamente, de forma a parecer que um dia inteiro demore uma eternidade e que a morte será apenas um sono bom mandado por Deus.

No mesmo barco, navegando em meio à pressa tempestuosa dos transeuntes a sua volta, vemos a pequena criança que transforma algumas pedrinhas em sua morada imperial, onde, de lá do alto de sua imaginação, comanda o senhor folha de amora para que vigie se não está a tristeza rondando para tomar posse dos seus tesouros de semente de mamona e grãos de feijão...

A simplicidade possui uma beleza rara, sincera e às vezes até difícil, pois muitos leigos a confundem com a ignorância ou com as coisas óbvias.

Ser simples, numa sociedade tão necessitada de coisas desnecessárias, é complexo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Releituras - 2006

Ela é toda sonho.

E, com um jeito simples, mas não rude, se achega na poesia e vai modelando microtexturas tão complexas com ela, que à mesma se funde. Com aqueles olhos cor de café-superado, e um jeito de algodão doce, dissolve seu velho urso de pelúcia naquela poesia também, por que ainda é uma criança que é sol mesmo num dia de chuva, mas que tem medo de calos.

Moça de razão e emoção, mudaras? Tornou-te quem tu és?
Ainda queres voar sem cair?

(Apesar de que, mal consigo te ver daqui, está quase se tornando uma daquelas estrelas que a gente acha que existe, mas que começa a duvidar se apelar somente para a razão dos astrônomos.)

Como bem sabes, a queda não é o fim, como o erro também não é vergonha. Se caíres, nasça de novo! Se te apegares a suavidade das nuvens e ao friozinho aparentemente seguro do céu, é por que deverás cair para recomeçar!

Mude sempre, mas sempre com a loucura dosada insubstituível.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Angústia

O que há de se fazer quando a única coisa que nos importa é uma certeza somente? Com tantas incertezas pelo mundo, a serem desveladas, o que me importa agora é fazer esses violinos com suas notas lacônicas pararem de trazer à tona um passado que não quero mais, mas que me fazem pensar que são o último fôlego numa tempestade solitária!

Eu convivo com quaisquer outras incertezas, mas essa é o sino da angústia:
Onde está dentro de mim?

Está aqui, do lado esquerdo, ou aqui, do lado direito?

Nem eu sei ao certo... quem dirá você saber...
E isso torna a angústia maior do que consigo ver fora da minha sombra...

Será que eu deveria me submeter ao velho processo burocrático do senhor caixa de banco ao dizer "Próximo!" e esquecer da Angústia?

Queria um dia poder te ver com os olhos que eu sempre quis...
O meu fim, em realidade, é não perceber com qual fim apareci na tua bonança...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Manuel Bandeira

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.
— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?

A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:
— Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:
— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Futuro

Onde estariam todas aquelas coisas que vimos e nos impressionamos? Sim, de um ponto de vista, elas estão lá, no passado, esperando para serem revisitadas, para nos reimpressionarmos e reescrevermos nosso mundo. Mas e agora, nesse momento, o que lhes aconteceu? Mudaram, continuam iguais?

Aquele bom senhor, que um dia visitamos sua humilde casa, onde mal se via distinção entre quartos e sala, entre deuses e matéria, entre realidade e sonho, o que será que aconteceu a ele? Por que, para nós, ele ainda está lá, sentado na mesma cadeira, balbuciando os mesmos sons quase mântricos, fazendo-nos pensar sobre o quão difíceis podem ser os caminhos para os quais direcionamos nossa vida, a ponto de nos assustarmos com atos de solidariedade e de boa vontade.

E aos lugares que um dia moramos, às casas de nossas viagens, o que aconteceu a eles? Às vezes tenta-se revisitar estes lugares sem nossa presença mesmo, com auxílio da imaginação. E dá mais saudade e dá uma pontinha de tristeza também... são dias bons esses, que não poderemos ter iguais.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Hetaira moderna

Ela tinha consciência que a sociedade lhe dava as costas.



Talvez isso fosse uma boa motivação para ela agir dessa forma... Claro que, na verdade, a motivação era maior que isso: subexistir, viver ali, na borda da moral, quase caindo fora do mundo, mundo que realmente deveria sair um pouco dos escritórios da burocracia dos convívios e formalides olá-excelentíssimo-prazer-eu-sou e devo-lhe-minha-subserviência-senhor. Além disso, para ela era como um trabalho qualquer (tomado os seus devidos cuidados), pois já tinha transcendido boa parte do moralismo que haviam tacado dentro dela. Mas era tudo isso para ela: gostassem ou não. E ela pensava frequentemente sobre isso, sobre a banalização e sacralização das coisas. Sabia que seu emprego estava mais para banalização do que sacralização, mesmo por que sua profissão não era das mais sacras... profissão no sentido econômico, como meio de se realizar. O seu ponto de vista filosófico era bem mais como um ponto de fuga, onde sua "profissão" residia no plano que logo se nos apresenta, como uma casca que os mais leigos de imediato consideram ser a essência.

Ela era realmente bonita, mas sabia que, novamente, era apenas casca e mais casca dar qualquer valor extrapessoal para aquilo: se se cuidava, era para si e não pelos outros.

E ela gostava de estar assim, à parte da tacanhez característica dos moralistas extremados, por que sabia que esse era o caminho certo para um dia, quem sabe, se conhecer melhor.

domingo, 28 de junho de 2009

Animal solitário

Ele sempre esteve a par daqueles homens que o seguiam. A realidade, ela estava encapsulada nos olhos daquela câmera que via tudo o que ele fazia. Mas os amigos, ah, nesses eu posso confiar... mas, e o que ela me disse ontem... ela estava insinuando que eu era o responsável por... não, como seria possível, não teria como ela saber... mas e se... esqueça, essas coisas me fazem perder a cabeça.


Constantemente, até seu respirar parecia pressentir os olhos de soslaio que miravam seus erros, um por um, procurando fazer neles sua derrocada ao erro definitivo, o erro desmoralizador e mortal. Por que, ontem mesmo, aquela mulher me olhou de um jeito estranho... mas ela nem era tão bonita. Bom, por que eu não lhe daria chances, se ela está me olhando? Mas e... ahn? Um anel? Bom, ah, um caso extraconjugal... é algo até comum hoje...


A verdade mesmo é que essa paranóia não é a procura do perseguidor, mas a busca de algo a ser perseguido. Por que tem que ser o paranóico? Enquanto este não acha um porquê para alguém querê-lo perto, ele acha um porquê para não querê-lo... de alguma forma, isto te diz que alguém está olhando para você. O paranóico é um bicho sozinho e por isso ele quer que alguém o siga. Na falta, ele cria.


Mas não é bem questão de criar: eu vejo as pessoas me olhando! Por que seus sensos moralistas demais condenam tudo que eu faço! Se eu deito meus olhos derramando volúpia sobre uma mulher, já me condenam! Eu reprovo estes! Minha criminalização é bem injusta, pois é a própria mulher que se avilta em atos censuráveis! Pois, pelo fato de, e observem bem, a quantidade de palavras que giram em torno da idéia de culpa e erro ser muito grande, é bem razoável pensarmos na culpa do próprio narrador dentro de todas as suas críticas de perseguição indevida!


Pois, eu, discordo, e muito. Um olhar sagaz é capaz de desvelar sutilezas, que os olhos otimistas transformam em bobagens. Por que o olho das pessoas capazes é pejorativamente denotado como "paranóico"; são pessoas que enxergam o mundo no todo!

E eu ainda afirmo: o paranóico é um animal que se socializa com sombras platônicas travestidas de espíritos livres!

E o ciclo do paranóico e seu senso de culpa continua, até que ocorra o indubitável.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Loucura necessária

Bradava pelo que ninguém mais entendia. Filosofava de braços dados com seu copo de alegria etílica, agora não mais sozinho, estando junto de si. No ponto de ônibus, o esforço do pobre Homem (havia se transmutado de marionete para ser sincero), ecoava nos preconceitos das pessoas que o observavam, com tom de zombaria ou pena, por mais uma vida estragada. Mas, alguém lembrou-se dos versos fundamentais:

"Quero antes o lirismo dos loucos
o lirismo dos bêbados
o lirismo difícil e pungente dos bêbados..."

Agora, o Homem vertia-se nos seus próprios olhos.

"O Japão, ele sofreu com a bomba de Hiroshima."

Mas isso era hermético na mesma medida da alienação do observador à poesia e à dor inerente ao mundo. Recomeçado o seu discurso, tentava penetrar nos olhos de algum transeunte: sua face e sua barba revelavam a matiz de anti-experiência que seu discurso carregava. Tomado da sensação de alguém ter lhe ouvido, o homem parecia estar se fazendo entender:

"Eu, eu gosto do Japão."

O poeta bandeiriano saudava o receptor sobre a verdade nos próprios olhos com seu aperto de mão, quando, quase no mesmo momento, chegava o ônibus.

A reflexão rendeu frutos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Pragmatismo

Os alucinados, em frente à caixa fetichista, se deliciam com todo dramalhão e alegria que ela emana. Deliciam-se com algum tipo de pressuposta superioridade, por causa de alguma escolha banal, por que uma roupa tem uma etiqueta que indica status, por que ele é chauvinista (mesmo cometendo inúmeros atos anti-nacionalistas), por que ele tem o carro que ele sabe que corre a 220 Km/h (mas que ele não pode usar nessa velocidade), por que ele tem 1000 livros em sua estante (e não leu inteiro 100 e nem entendeu 50, sendo que metade dos 50 são livros ruins) ou porque seu corpo lembra o ideal espartano (apesar de sua cabeça estar no outro oposto do ideal ateniense). Eles conhecem a vida de todos os artistas ou esportistas e sonham em casar com um deles (mesmo sabendo que esses artistas não os conhecem e nem fazem questão de conhecer).

Tudo é fetiche: tudo é sonho, a fuga da realidade é mais viável que tomá-la de frente, do ponto de vista da alegria imediata. Por que a alegria tem que ser agora, temos que ser felizes!!! A tristeza só vale a pena se for para vender remédios anti-depressivos, livros de auto-ajuda e entretenimento barato.

"Como? Você não é feliz? Ligue já para este número e...!"

Não!
Silencie essas vozes!
Desligue a TV ou seu rádio e olhe pela janela com seus olhos.

Lá fora, o mundo é bem maior do que este monte de conceitos deformados, que tem como teoremas a sua alienação cíclica e te fazem querer preencher sua vazieza existencial com produtos e comida. Que importa se sua camisa é menos branca que a do vizinho? Será que só se demonstra afeto com presentes?

Pense o que você quiser.
Repense o que querem que você pense.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Rotina burra

Acho que a rotina do serviço está me emburrecendo. Não tenho mais tempo de pegar num livro de verdade e me instruir... até aqueles momentos de reflexão, em que me perdia tanto que às vezes tinha que olhar novamente à janela do ônibus para ter certeza de que não havia chegado a meu destino, não os tenho presenciado muito.
É, isso é triste.
Lembro de quando era mais novo, em que ia nas bibliotecas próximas, pegar algum livro falando sobre o materialismo, algum outro falando sobre histórias medievais... eu lia, e de certa forma, absorvia. Hoje, se nem tenho parado para ler, imagine para absorver quando leio... Isso puxa o que uma vez li, de algum grego (sempre eles!), que dizia que não compreendia como alguém poderia ler mais que cem livros em toda sua vida. E, lembro também, que isso era adjuntado com o que disse Descartes: quem viaja muito em terras alheias, se torna estrangeiro em sua própria terra. Mas, claro, o pouco que leio talvez esteja bem abaixo do que pensava aquele grego ou Descartes.
Foi só um desabafo mesmo.
Compreendo que não é só não ler que é problema. É falta de usar o cérebro de verdade.

sábado, 16 de maio de 2009

Inusitação

Passados 13 anos (sim, 13 anos!) eis que revejo o quase porquinho-da-Índia num ponto frio e qualquer da Paulista. O curioso é que isso se sucedeu no campo das impossibilidades: multiplique a impossibilidade de se praticar um reencontro com uma pessoa que você nunca teve contato e não conhece nada sobre sua vida (bom, descobri, na verdade, que no último ano ela mudou de escola), pela impossibilidade de encontrar no mesmo horário e, ainda, esperarmos que ocorra dessa pessoa perder o ônibus, no ponto em que você observaria estupefato... altamente improvável!

Eis que pulamos para a cena seguinte: está o indivíduo agora disposto a saber se essa possibilidade remota ocorreu! Antes de mais nada, mune-se da certeza dessa impossibilidade do acontecimento e fica pasmo. Logo depois (umas 10 paradas depois, que passaram voando), veste sua teoria de jogos sem derrota, só para saciar sua curiosidade esfaimada. Começa a partida:

- Oi, posso fazer uma pergunta estranha?
- Pode...
- Seu nome é Isabella?
- Sim... você me conhece?
- Ahn... você estudou no Luiz Gonzaga, não foi?
- Foi, mas faz muito tempo; foi em 2000.
- Hum, você lembra de um japonesinho que ficou te olhando, olhando, olhando e olhando?
- Não...
- Ah, então, era eu...

Depois pensei comigo: sim, uma partida sem derrota, foi o que aconteceu aqui! O que eu ganhei? Inusitação! Isso!

Se em um jogo não se pode perder, por que não jogar?

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A imbecilidade do anti-governismo de alguns moleques ou sobre "Por que o papai e a mamãe do deficiente não o levam de carro?"

Vou contar sobre uma frase que, por falta de fones, acabei interceptando (seria bom que eu não tivesse ouvido. Só constatei como a alienação e a falta de bom-senso estão espalhadas por aí.)

- Eu acho uma hipocrisia do governo colocar esses bancos para deficientes nos ônibus. Isso é coisa para inglês ver. Eles deveriam dar carros para os deficientes.

Vou "contra-argumentar" (se pelo menos essa bobagem dita anteriormente se constituísse como um argumento, eu poderia tirar as aspas.):

1 - O governo NÃO deve incentivar o uso de transporte rodoviário. Isso por que geram custos maiores que dos outros tipos de transportes, com rodovias, acidentes que ocorrem devido à tais vias, poluição de todo o tipo e congestionamentos.

2 - O governo gastaria só com o carro? É claro que não. Quem pagaria o IPVA? Quem pagaria o seguro? E a manutenção? E os estacionamentos? E se o deficiente não tivesse condições de pagar nenhum desses?

3 - E se o deficiente não quisesse andar de carro? É escolha dele, não é? É DEVER do Estado fornecer transporte público.

Fora isso, me faz lembrar de uma mulher que reclamou que esses ônibus com assentos para deficientes são inúteis, por que ela nunca via sendo usados... ainda bem, né, minha senhora... senão estaríamos tendo um verdadeiro surto de poliomielite ou coisa do gênero... Detalhe: eu vi umas três pessoas com algum tipo de deficiência, durante todas as viagens de ônibus que fiz, desde o começo do ano passado e só 2 dessas usaram o lugar reservado, por que uma delas se viu obrigada a tomar um ônibus sem tal acessibilidade.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Aspereza no dizer

Antes havia mais poesia em mim. Hoje, sou um bicho gracilianesco... solto muitas palavras de meio palmo, mas que entram com aspereza nos ouvidos despreparados (e por que deveria alguém preparar os ouvidos para essas coisas?). E tenho sofrido as consequencias disso: por que se me dizem que são gigantes, aqueles com os quais tenho que lutar, nunca chutarei a hipótese de que são moinhos... e lá vou eu a labutar pelo suspiro derradeiro do dito cujo. E é por isso que não sei mais escrever fora de mim, tudo remete a qualquer coisa que eu tenha pensado um dia... a objetividade me cegou com solipsismo (apesar de que, nem eu mesmo pareço com algo que se chame de "verdade")...

Hoje, escrevo poesia que nem uma coisa que se mexe no meio da palha: roda, senta, se acomoda, fuça... mas é basicamente para se aconchegar. Ele não compreende o ato. Só o faz. Eu, não compreendo nada de poesia: só escrevo quando quero me aconchegar, jogo palha pro alto, sinto o cheiro dela... não extravaso a palha, não dissocio-a do vegetal... é tudo como vejo. E se tento ir mais longe... me perco.

Apesar de que, a vida é para se perder mesmo.