Foto: sxc.hu

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Volúpia alheia

Ceci nest pas un chaussurre

Seu corpo exala um aroma impuro e pertubador.
Teu corpo é agora.

Escorre esguia entre os lobos, imaginando estar cumprindo somente seu desejo de prazer. Exercendo bem a promoção necessária para uma máquina hedonista ortodoxa, parecia esquecer-se a todo momento de que não havia somente ela a pairar sobre aquele mar de prazeres que gostava de fazer pensar que estava habituada... Curvavam-se perante seus dotes e isto bastava-lhe no teórico, sendo que no prático só tinha importância a consequência do teórico. Faltava a percepção do outro, faltava ver que não existia esse arder sem ar...

Regojizava-se aos olhos alheios, ao furor insano com o qual se atiravam sobre ela a cada movimento do estranho quadro ali conformado: pés pequenos sob um stiletto vermelho anunciando o perfume mesclado de suposto pudor, quase a explodir o elegante vestido de alvo-hipócrita, que se contorcia às provocações dos moços bêbados vulgares, com a própria vontade de arrebatar com um olhar e beijo ferinos os mesmos moços que talvez fossem tão sujos quanto a sua mente se rejubilava em imaginar que o deixar-se tomar pela devassidão permitiria.

Quixotescamente, erguia-se sobre si mesma de moinho à gigante, enquanto dominadora, como se fossem suas incapacidades de sentir profundamente e de amar sem saber amar, um mero personagem cavaleiresco de um conto de Cervantes, sem perceber que nisso, ela se constituía num fantoche da sua própria angústia de não conseguir e de nem saber o que ela desejava para si.

Apesar de necessitarmos do outro,
há sempre a necessidade de surgirmos por nós mesmos sobre nossos pés.