Foto: sxc.hu

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ciclo

"Aqui se faz, aqui se paga" era o símbolo no estandarte metafórico da justiça que cortava o sol numa manhã em que um menino raiou estrangulado num beco indigno.

Mas sempre houve um motivo para se dizer que havia algum erro ainda em tais palavras:
tantas ilegalidades, impunes, que fortaleciam o caráter da morosidade da lei, não eram a confirmação de que não havia nenhuma forte luz que provinha da pequena frase?

A fagulha, voando solta, era um incêndio esperando o lugar certo. Caiu no momento em que as pessoas se amontoavam para tomar um mesmo ônibus e não deixavam este sair, apesar de haver um outro igual atrás; formado o incêndio, voou um pedaço e caiu quando um passageiro ligou seu celular com MP3, esperando disseminar sobre seus gostos duvidosos. E mais e mais continuava voando, por semanas, até que veio: era a luz que provinha do estandarte, fenixioso; o mesmo passageiro que ligava o celular, era o mesmo que reclamava que as pessoas ficavam na porta e era também o que reclamava dos políticos roubando: este não percebia que eram todos aqueles atos, atos que emergiam da mesma fonte: o egoísmo sussurava todos os passos mesquinhos que remetiam a alguma espécie de sentimento de auto-sobrevivência urbana que, porém, era em realidade, auto-destrutivo e daninho, por que corroborava a ignorância do outro e nos tornava mais isolados do todo. Algumas vezes, quando se faz, pode-se entrar num ciclo de sofrer, caso este rode devido à força motriz da própria pessoa, que pode o fazer dentro de uma perspectiva de prazer a todo momento.

E se eram todos os passos sujos à base do pisar dos alheios, as pegadas formavam uma nova lei de conduta, que era a lei do somente-eu: eu sou; você que se seja à sua maneira, isto é problema seu.

sábado, 12 de setembro de 2009

Morte

Não compreendia exatamente o que queriam dizer por "o objetivo da vida é ser feliz" (Havia tempos em que já presenciava a ditadura da felicidade). Fazia seu trabalho honestamente e considerava que era esse seu objetivo, ser bom no que fazia. A felicidade era non-sense na mesma medida em que compreendia perfeitamente que, na verdade, era um trabalho que só alimentava as veias já grossas da burocracia que oprimia os que possuíam menos chaves para atravessar as portas kafkianas da justiça; apesar disso, entendia também que se não fosse ele, outros haveriam de vir e tomar o seu lugar.

Mas ele possuía outro trabalho: "apaziguador de dores imensas" ele se auto-denominava. Mas tal serviço circulava apenas nas bocas sujas das vielas de moços escuros, que anunciavam que a morte era só uma passagem e havia alguém que poderia lhe fornecer o "bilhete" para entrar neste mundo: havia muitas formas, desde cicuta à quase sublimação do conceito de dor num tratamento sem crueldade, feito porém com seriedade. Claro que, de antemão, ele sempre declarava que só cumpria seu papel de "sublimador" das vontades e que a escolha era da pessoa: por isso não cobrava, considerando o ato cumprido pagamento suficiente para sua própria auto-estima.

Para ele, a morte era só mais uma fase da existência.

sábado, 5 de setembro de 2009

Aleatório

Há tempos que ela não conseguia se adaptar as inúmeras regras que a religião da sua mãe impunha. Um dia lendo na internet sobre agnosticismo, decidiu ser agnóstica. Ah, é que não desacredito nem acredito... alguém alguma vez tentou lhe alertar sobre a futilidade desta auto-denominação desregrada: tem certas coisas, sabe, que não é por que a gente diz que a gente é, entende? Mas ela já tinha fundado sua própria religião, que era a religião do muro. Ser meio termo das coisas, quando não se sabe. Sabe-se que isso pode ser bom às vezes... só que ela já pensava que aquilo era sempre posicionamento filosófico e não impasse cultural ou intelectual. Faltava-lhe a chave para transmutar de um para o outro: motivação filosófica ou mesmo amparo do bom senso ou de argumentação um pouco mais coesa e sintética.

Mais cômica (ou trágica) a situação se tornava quando ela gesticulava para o mundo de forma sisuda, como se a cada movimento seu, as religiões viessem por terra, com seus argumentos de dúvida! E isso, ela fazia sem perceber que esse sentimento de dúvida era o que residia dentro de si e era estruturalmente mais fraco que o argumento daqueles que ela acreditava estar acima... Não percebeste que o que faz é simplesmente destruir e destruir? Não estás a construir nada com isso tudo!

E essa 'religião' dela, se proliferou...
e se disseminou para todos os campos!

Se se pudesse dividir em duas partes todas as coisas do mundo (mesmo não podendo-se, há um apelo didático incrível!...), vendo tudo isso, dividiria-se assim:

as que a gente consegue fazer sabendo

e

as que gente consegue fazer por sorte.

As que a gente faz por sorte, na verdade, a gente gesticula e depois chama o gesto daquilo que a gente quer (um sorrisinho de canto de boca nietzschiano surge aqui): começa-se em lugar algum e chega-se a lugar nenhum... só que esse lugar nenhum, os apressados tem a mania de chamar daquilo que queremos. Agora, se a gente sabe o que quer e faz, aí a história é bem outra. E aqui é bem a situação de conceituar o que não se deve!

Quem vê de fora, não entende a diferença de um para outro. E é por isso que é necessário olhar para o núcleo da situação: não se acredita nem se desacredita, é isso? O que leva a essa conclusão? Se você está tentando adivinhar, acho que você está "em desvantagem" com as religiões (por que elas não adivinham, mas crêem) e basicamente não quer seguir as religiões por que não consegue se adaptar, mas daí isso não tem nada a ver com elas, necessariamente, estarem erradas. Você pode afirmar, argumentativamente, que o problema não é seu?

Definitivamente não.