Foto: sxc.hu

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Escrever...!

Um ruído arranhava o resto de zunido zincoso e zeugmático da escuridão noturna, com a permissão etílica dos anfitriões da noite.


Volto para a cadeira e continuo a soletrar expressões metalinguísticas como esta, à espera da conclusão em forma de texto sereno, originado da torrente de idéias picotadas e molhadas que andavam à se apoiar nos verbos e substantivos soltos que boiavam nas horas preguiçosas com tempo de sobra.

Ocorre-me então de tentar dar um porquê de metaforizar, dado que a metalinguística sucumbiu perante a coesão. Inicialmente, introduzo o debate apontando a possível pedância do ato e continuando o mesmo com a hipótese de que há aqui um lirismo necessário. Complementando a idéia lírica com a amplitude da significação poética, considero que havia era uma luta contra a ditadura semântica, contra o autoritarismo da objetividade pura e simples: por que, se é sobre as dificuldades que se molda a capacidade, por que é que os belos textos se moldariam em cima de alguns poucos significados? Não que houvesse infinitos, por que isso é hipótese descabida, mas mais que um, se houvesse beleza.

Valho-me ainda, se minha referência o permite, da frase: "Sua força deve ser pública e seus medos, privados. Compartilhe seus sorrisos, chore na solidão.". O significado disso textualmente me é: escrever é algo necessário para mim... mas não devo sair por aí alardeando desesperos... então, resta o deslocamento da significação para o plano da multiplicidade, de modo que o verdadeiro sentido se oculte... que seja hermético mesmo. Dirão: "Mas não interpretarão da maneira correta!" E responderei: "Tomara! Já o disse, escrever é necessário, mas não o é tomarem o desespero para si.". Se retrucassem "E se desvendarem?", diria eu: "Quer dizer que me meterei a Dédalo de novo...!"

A angústia e o escrever são inevitáveis, mas deve se evitar totalmente o desespero.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Infinita beleza da finitude

- "Mããããe, pega a borboleta para mim", exclamou a criança, como se anunciasse a pré-beleza rudimentar da borboleta fora do recipiente de vidro, que quase deixava ela escapar.

Havia beleza por vir ainda, tanto na borboleta quanto na criança e na estrutura geral dos processos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Marionete de barro

Sendo uma pessoa de muitas pretensões, não poderia faltar a característica de criar universos e neles colocar seres com mesmas características que a dos seres humanos, por exemplo, como a incredulidade. Não ocorreu a falta, obviamente, de moldar uma entidade que seria considerada superior e que, de acordo com estes seres, eles deveriam exercer culto, devido ao caráter criativo da mesma. Neste universo criado, foi imaginado também que o Artesão (nome dado pela civilização imaginária, conotando a maneira como os pequenos seres imaginavam o processo de criação e como eles se consideravam perante a sua entidade-mor), num momento de reflexão, criou seres que tinham de média a severa deficiência motora, mental ou sensitiva. Os que presenciavam o suposto sofrimento de tais seres, questionavam-se sobre a existência de infelizes que eram considerados abaixo da imagem do barro primordial, do Artesão. Alguns diziam que a aceitação deles era imprescindível, apesar de tudo, pois eram filhos d'Ele. Outros, na mesma linha de raciocínio, mudando somente a direção, afirmavam que a existência do sofrimento das "vítimas" do afamado ser superior não era menos do que a prova derradeira da inexistência de tal entidade, pois não deveria se esperar que nele houvesse uma resposta melhor do que essa?

Uma risada sutil esculpiu-se num rosto dúbio. Talvez tenha conseguido o que queria.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fenixidade falsa

Ela adorava ele, seu jeito sincero, que ninguém substituíria nunca... mas, às vezes, caminhos que podem afastar as pessoas dos seus semelhantes são, inadvertidamente, escolhidos. E ocorreu que um dia um se perdeu do outro e foram se encontrar somente na dor da morte.

Mas poderosos místicos continham conhecimento suficiente para torná-lo vivo novamente. Tomariam um pedaço dele e refariam o corpo todo. Só que a condição que os místicos lhe impunham era de que ela viveria cada vez menos intensamente sua vida, por que as unicidades destas chances seriam perdidas em cada um desses processos.

E ela, não entendendo completamente o significado da condição, disse que aceitava. Praticamente como assinado o processo, iniciaram os místicos toda gama de alquimias logicizadas. Em alguns dias, milagrosamente, foi como se seu amigo houvesse voltado, sem que nunca houvesse mergulhado para sempre em um mundo de memórias somente. Estranhamente, ela se sentia um tanto confusa em já ter visto aquela cena, mas parecendo ter um sentimento diferente.

Passam-se alguns dias e, como se estivesse presa num ciclo infinito, novamente, escolheu caminhos que lhe tomaram longe de seu amigo (e isso foi mais rápido que antes); dentro do mesmo ciclo também, ele morreu.

Chorando sobre o corpo morto, rogou aos alquimistas lógicos novamente o processo, ao passo que, na mesma medida da secura das condições, seca foi a resposta: foram dadas as condições. Aceitaste-as, não há o que discutir.

E não havia mais nada o que fazer: enquanto caía a noite, como sempre ocorreu, ela re-velava o corpo morto, mas sem revelar-se.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Eolos

Atravessei de uma janela a sul
à uma janela ao norte
como um prenúncio de chuva.
Atravessei algum vago lugar
de alguma saudade,
a sentar calmo à beira do lago.

E atravessei convictamente
como um ser trágico,
que afirma o presente
e apenas sorri ao passado,
sem ressentimento.

Atravesso a vida,
sem transcedência,
para viver de verdade.