Foto: sxc.hu

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Os montadores

Veio aqui em casa um indivíduo montar uma mesa que minha mãe havia comprado. Há muito tempo que passava na minha cabeça o que seria um "montador de móveis": um exímio conhecedor de todo tipo de móvel, suas características técnicas e até mesmo estruturas abstratas, algo como classes de móveis, cadeiras, guarda-roupas... talvez até mesmo hiperestruturas... Mas voltemos. Depois de um tempo me toquei que isso não era bem uma profissão, algo com uma ética própria, CRMM (cadastro para montadores de móveis), associação etc. É bem na verdade um desses empregos esporádicos que a maioria dos mortais pode preencher os pré-requisitos (eficiência, sagacidade e extrovertimento? Não, não): querer ganhar um salário justo ou menos e trabalhar sem reclamar demais. Talvez há alguém que veja tudo isso e imagine como a soberba que minhas palavras exalam está em demasia espalhada aqui. Até agora, na verdade, fiz só um breve comentário de como os "montadores de móveis" estão situados dentro do capitalismo; Pensei muitas outras coisas enquanto via o rapaz agindo mecanicamente para realizar tarefa tão simples. Justifico o mecanicamente: embaixo da cadeira estava escrito algo como: "Junte as duas setas: se isto não ocorrer a montagem estará errada." O sujeito mal se deu ao trabalho de ler para fazer um trabalho decente, foi montando como uma máquina, sem enxergar as peculiaridades (da cadeira!). Olhava aquilo tudo e me perguntava: "Por que, por que este serviço porco?"

Enquanto presenciava aquela cena tragicômica, tentei refletir sobre a minha possível crítica impensada; parei e comecei a dar outros motivos. Eles se assemelhariam a: ele queria realmente passar para o cliente (eu) que tinha plena confiança no que fazia e portanto não leu, pois isso, na cabeça dele, passaria a impressão de que ele não tem experiência. Outro motivo é que ele queria passar para si próprio que tinha experiência, pois como ele havia mesmo me dito, já tinha montado aquela mesa e não havia lido, e que então, possivelmente, havia dado sorte... (essa foi boa, então acho que fui eu é que não dei sorte...). Outra explicação é que ele estava com pressa e quis fazer o serviço logo: me passou pela cabeça que talvez fosse por causa do bilhete único, que provavelmente ele faria a integração. Há coisas mais surreais como ele não ter ido com a minha cara (não pelo fato de ser eu, mas por não ter agido de forma que suscitasse qualquer tipo de comportamento anti-social da parte dele) . Devem haver outros motivos, mas não os imagino agora.

Me deu muita vontade de não falar nada, só para minha mãe ligar para lá e ele levar uma bronca... mas de que adiantaria? Talvez isso não servisse de nada no final das contas. Além do que eu levaria bronca também, já que tive que assistir àquele "espetáculo": ele teve de refazer tudo no final das contas, o que já é bem justo. Teve uma hora que olhei para um dos parafusos e ele estava tão torto, tão nojentamente soterrado na pobre madeira daquela cadeira inocente que me encheu o espírito de uma espécie de horror, de incompreensão, de um sentimento de porquê-as-pessoas-fazem-esses-serviços-porcos-?. Foi daí que surgiram a vontade semi-sádica de fazê-lo desparafusar quase todas as cadeiras que ele havia montado com seus motivos e sua parafusadeira automática e a minha momentânea piedade racional, que quis dar culpa em outros fora o "montador". O que me deixa mais irritado ainda é que mesmo para um serviço tão tolo, ele fez uma merda daquela e ia embora, por que se eu não tivesse visto, ele teria ido pegar sua integração do bilhete único e deixaria aquela microtorre de piza encravada debaixo daquela cadeira. Sorte que o serviço era gratuito, no sentido de que a gente não teve que pagar a mais, por que muito provavelmente o salário desse infeliz estava embutido no preço da mesa, o que também é uma pena, já que por um serviço tão ruim preferia pagar para não fazê-lo...

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